quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Impossível falar de amenidades

Seria uma maravilha se o que tivéssemos de falar hoje aqui fosse só coisa boa. Se não tivéssemos que criticar, que denunciar, que acusar, que cobrar dos governantes e clamar por Justiça. Acreditem, vocês, que nos ouvem todo dia aqui, que temos perseguido como nunca esse propósito de falar sobre as coisas sérias, de abordar assuntos que elevem as pessoas e inoculem nelas a sensação de alegria, de leveza. Como seria bom se pudéssemos fechar este comentário aqui com uma nota de confiança, de crença inabalável nas lideranças sobre cujas mãos colocamos o nosso destino. Mas não é fácil, porque as notícias que enchem as páginas e os espaços são as piores.

No centro do país, uma corte de Justiça consome suas ocupações com um processo com uma quarentena de pessoas públicas denunciadas por corrupção. O tempo e os altos salários de ministros do Judiciário são gastos não com os criminosos comuns, com os egressos das favelas e guetos de miséria, mas com a elite do poder, dos que se apoderaram do dinheiro público, das reservas do povo, para suas orgias morais. Lá não estão sentados no banco dos réus os criminosos solitários que esperam o favor das defensorias públicas, os advogados dos sem advogados. Lá, está uma bancada de advogados notáveis, pagos a preço de ouro, que vão enfrentar o time da Justiça, em defesa do time dos mensaleiros. O país inteiro acompanha o espetáculo – uma vergonha nacional. Como se não bastasse, no plano local, as manchetes anunciam a suspensão de cirurgias pelo SUS - Sistema Único de Saúde – na rede conveniada. São cinqüenta cirurgias cardíacas suspensas em quatro hospitais.

Não é possível comentar suavidades diante de tanta agressão à população. Nosso dever aqui é reverberar o grito da sociedade, dos desvalidos, dos sem saúde, dos sem médicos, dos sem leitos, dos sem nada. Temos que assumir a defesa deles porque são condenados à morte sem ter praticado nenhum crime. Ao contrário, são as únicas vítimas de todos esses criminosos do "colarinho branco", que se apossam da verba da saúde, da educação, do saneamento, das estradas, dos transportes, das obras anunciadas e nunca executadas. Eles continuam aí, impunes, apesar dos seus crimes comprovados, vistos a olho nu. Para eles tem advogado caro e defesa farta. E se driblarem a Justiça, como sempre acontece, vão cobrar reparações morais com gordas indenizações. A enorme massa de suas vítimas, os sem-saúde, sem-teto, sem-educação, sem-saneamento e sem nada, não têm para quem apelar. Como falar de amenidades, como contar piadas aqui, diante de tantas catástrofes morais?

Editorial do Programa Barra Pesada (TV Jangadeiro), de quinta-feira, 23 de agosto.

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